Quem tem restrições alimentares relativamente ao
glúten sabe que o pão é o alimento que mais custa abdicar. Se é verdade que a
minha filha nunca soube o que é, de um dia para o outro, deixar de comer pão (a
alergia dela foi diagnosticada ainda bebé), também é verdade que a certa altura
eu confrontei-me com a necessidade de tornar as suas refeições leves mais
diversificadas (e mais práticas também), que fossem para lá dos iogurtes, puré
de fruta e cereais (sem glúten) com leite. Queria que ela tivesse uma vida o
mais normal possível, como as outras crianças e que soubesse o que é comer pão,
sandes, etc.
Não estou a mentir quando vos digo que levei anos
a conseguir encontrar uma boa receita de pão: foram muitas as tentativas e
muitas fornadas foram diretamente para o lixo. Cheguei mesmo a desistir e a
render-me às alternativas comerciais que como já falei aqui, deixam muito a
desejar a nível do que eu considero um produto saudável e de qualidade. Até que
percebi, não vos sei dizer muito bem quando foi o click, acho que foi ao ver um
programa sobre pão, que o meu erro era esperar que a massa de um pão sem glúten
tivesse um "comportamento", textura e aspeto que um pão de farinha
de trigo: que se descolasse das mãos ao ser amassada, que ficasse elástica,
enfim, que fosse possível colocá-la no forno sem a necessidade de uma forma. E por isso, quando obtinha algo totalmente diferente, mais parecida
com a massa de um bolo, ficava desesperada e nem chegava a cozê-la convencida
que dali não sairia nada de jeito. Por outro lado, quando obtinha um resultado
mais semelhante à massa da farinha de trigo, o resultado final era um pão tão
duro que era impossível de comer. Quando, finalmente, mentalizei-me que fazer
um pão sem glúten era um processo diferente de um pão dito normal, foi quando comecei a ter
sucesso nas minhas tentativas. E foi aí que constatei que, depois da cozedura,
o resultado até nem difere muito de um bom pão de trigo caseiro. A partir daí
foi explorar a potencialidade de cada uma das farinhas sem glúten que
entretanto fui conhecendo: arroz, milho, quinoa e outras que ainda não tive
oportunidade de experimentar como farinha de grão-de-bico, millet, etc, mas que ainda tenciono
fazê-lo.
Recentemente tenho acompanhado o caso de uma
familiar que enfrenta uma realidade semelhante à nossa: sei que não tem sido
fácil, até porque não se trata apenas de um tipo de alergia mas de vários, o
que dificulta mais a situação. E sei, também, que quando descobrimos uma alergia
alimentar na família ao início sentimo-nos perdidos e assustados: ter de explorar
ingredientes que não conhecemos pode ser assustador e confuso. O que eu posso dizer a alguém que inicia
agora esta jornada (e espero sinceramente que este post ajude outras pessoas com
uma realidade semelhante à minha) é que as coisas melhoram: à medida que vamos
conhecendo os produtos, como usá-los e descobrindo novas receitas, interiorizamos
determinadas rotinas e as coisas entram nos eixos. A dada altura deixa de ser
um problema. Até lá o que posso fazer é deixar neste blog algumas receitas que
vos possa ajudar a ultrapassar os obstáculos e medos iniciais para depois
seguirem o vosso caminho, tal como eu o fiz.
Pão de arroz, aveia e milho (todos os
ingredientes que uso são de agricultura biológica)
Ingredientes
400g de farinha de arroz integral;
20g de farinha de milho;
50g de flocos de aveia sem glúten;
30g de sementes de chia;
20g de sementes de sésamo;
1 colher de chá de goma xantana (é um produto
natural produzido pela fermentação de glucose ou de sacarose pela bactéria Xanthomonas campestris; encontram nas lojas Celeiro);
1 colher de chá bem medida de sal grosso;
10 gr de bicarbonato de sódio ou uma saqueta de fermento à base
de bicarbonato de sódio sem glúten;
400 ml de água;
4 colheres de sopa de óleo de girassol biológico e
prensado a frio ou de azeite;
10 ml de iogurte natural, ou apenas o soro que fica por cima (serve para o bicarbonato
atuar, se não podem comer laticínios podem optar por iogurte de soja ou leite
vegetal, de qualquer das maneiras não se sentirá o sabor no final);
Como já expliquei diversas vezes eu prefiro
comprar o arroz integral e pulverizar na Bimby até ficar em farinha (1m 30s no
turbo): é mais económico, totalmente isento de glúten e como utilizo a farinha no
momento não há o risco de oxidação. No entanto, se não têm Bimby ou preferirem
comprar a farinha, têm que verificar o rótulo para ter a certeza que não contém
vestígios de glúten. O mesmo cuidado deverão ter para a farinha de milho e para
os flocos de aveia.
Como eu faço:
Começo sempre por preparar a farinha: pulverizo o
arroz juntamente com os flocos de aveia (se utilizarem inteiros também não há
problema) e depois junto a farinha de milho e as sementes (são particularmente
importantes porque para além de serem saudáveis e darem um sabor muito
agradável têm uma função aglutinadora):
Na Bimby (podem fazer perfeitamente numa batedeira normal,
ou mesmo à mão), coloco a água, o óleo e o iogurte. Adiciono depois as
farinhas, as sementes, a goma xantana, o bicarbonato de sódio e o sal. Misturo
tudo muito bem por 10 segundos à velocidade 6 (na batedeira normal é bater tudo
muito bem até ficar uma mistura homogénea). Depois, costumo programar 3 minutos
na velocidade espiga para arejar bem a massa (na batedeira normal poderão
continuar a bater a massa durante aproximadamente 3 minutos). Coloco depois a
massa numa forma de bolo inglês e deixo-a no forno desligado durante algum
tempo (aproximadamente 1 hora), para a goma xantana e as sementes ligarem bem.
Se fizerem o pão com o bicarbonato de sódio (ou com um fermento à base de
bicarbonato) a massa não leveda. No entanto, não irá impedir de terem um bom
pão no final, como podem ver nas fotos. Se quiserem, no entanto, obter um resultado mais parecido
com este, então terão de optar por usar fermento seco de levedura (as saquetas
habituais), com a preocupação de verificarem o rótulo quanto à informação de
isenção de glúten. deverão aquecer a água a 37º C, deitar o fermento
e depois os restantes ingredientes, sendo que o sal não deve ter contacto direto
com o fermento. Neste caso, não necessitam de usar o iogurte.
No forno pré-aquecido a 250º C coloco um
tabuleiro com água no fundo do forno, o vapor de água que se irá libertar fará
a crosta mais estaladiça. Diminuo a temperatura para os 210º C e coloco a forma
com a massa por 40 minutos. Quando, ao final desse tempo, verifico que a crosta
já está bem formada e com uma cor que indica que o pão já está cozido tiro-o do
forno e desenformo-o (normalmente é muito fácil e ele solta-se bem, se isso não
acontecer devem colocar mais tempo mas com a opção do calor por baixo, se
possível). Depois de desenformado volto a colocá-lo no forno por mais 15
minutos com o calor apenas por baixo (se o vosso forno não tem esta opção,
podem colocar uma folha de alumínio por cima do pão para não queimar).
Colocar o pão novamente no forno depois de
desenformá-lo é importante para conseguirem uma crosta crocante nos lados e na
parte inferior do pão, no entanto, é opcional. Podem apenas ficar com a crosta
da parte superior. Claro que se preferirem um pão com uma crosta fina, podem
optar por uma forma que tenha tampa ou tapar com papel de alumínio e só
precisam de assegurar que o interior fica cozido mas acreditem, a crosta deste
pão é de comer e chorar por mais...
O resultado final é, normalmente, este:
É um pão que não conseguimos comer apenas uma
fatia (embora seja muito saciante) e podem dizer que sou suspeita no que diz respeito à minha opinião, o que é
verdade, mas já dei a provar a várias pessoas que não têm qualquer alergia, que
consomem apenas o pão de padaria normal e quando provaram gostaram muito, ficando surpresas com o facto de não ficar nada aquém de um
pão de farinha de trigo e até... mais saboroso.
Espero que experimentem e se o fizerem, por favor, digam-me qualquer coisa. Esta receita, por tudo o que contei no início, tem um valor especial para mim, por isso gostava de saber a vossa opinião e se ajudei alguém numa situação semelhante à minha. Espero, sinceramente, que gostem.
Espero que experimentem e se o fizerem, por favor, digam-me qualquer coisa. Esta receita, por tudo o que contei no início, tem um valor especial para mim, por isso gostava de saber a vossa opinião e se ajudei alguém numa situação semelhante à minha. Espero, sinceramente, que gostem.
Pois é, isso acontece porque, durante a fase de amassar, é o glúten que, ao alinhar-se, dá à massa a textura que estamos habituados! Quando usamos farinhas sem glúten, a massa nunca cria essa elasticidade. Mas a vantagem é que também não é preciso amassar muito! :-) É verdade que as intolerâncias e as alergias podem ser complicadas e exigentes, mas é mais ao início. Depois é uma questão de hábito, como tudo!
ResponderEliminarConcordo plenamente: hoje já não me faz confusão nenhuma fazer um pão em que a massa é mais parecida com um bolo, o resultado depois é igualmente bom (ou melhor). E sim, tem a ventagem de não ser preciso amassar muito :). Quanto às alergias alimentares apesar de inicialmente fazer confusão, hoje tenho noção que a minha filha tem uma alimentação muito mais saudável do que se não tivesse esta alergia, ela e todos nós cá em casa... e já faz parte da nossa rotina diária! Obrigada pelo comentário
EliminarOlá cheguei a este blog porque me estou a iniciar numa alimentação mais saudável, sem trigo e de preferência sem gluten, e a parte mais dificil é a de ficar sem o pão. Comprei pão embalado sem gluten e achei muito artificial. E tem me custado um pouco porque parece que tenho sempre fome não me sinto saciada. E como tenho bimy queria arriscar a fazer o meu próprio pão mas depois de muito pesquisado tenho achado muito confuso as substituições... até que cheguei aqui e finalmente tenho vontade de arriscar a fazer a receita. Fiquei só com a duvida de farinha de milho é o mesmo que amido de milho e se posso fatear o pão e congelar para ir tirando durante a semana.
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