quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Pão-por-deus, bolinhos-bolinhós e halloween

Quando eu era pequena, por esta altura do ano, as crianças eram instruídas a festejarem o pão-por-deus: levávamos um saco de pano para a escola com frutos da época para partilharmos uns com os outros. Lembro-me que adorava olhar para o meu saco e ver maçãs, nozes, castanhas, que depois poderia partilhar com os meus amigos. Agora estou numa outra região de Portugal e com o tempo aprendi que por esta altura a tradição era (reparem no verbo) as crianças festejarem os bolinhos-bolinhós: as crianças, com a cara tapada com uma máscara de cartão assustadora, batiam à porta das pessoas pedindo que lhe oferecessem alguma coisa (pelo que sei, seriam doces caseiros), enquanto cantavam a seguinte canção:

Bolinhos e bolinhós
Para mim e para vós,
Para dar aos finados,
Que estão mortos e enterrados...
(…)
Se analisarmos com atenção é possível encontrar semelhanças com estas tradições portuguesas e a conhecida festa americana, o halloween, que por sua vez (como a maioria das tradições americanas), provém de uma outra tradição, o festival pagão celta Samaihn, no qual se acredita que neste dia a fronteira entre os dois mundos está aberta e é possível ter contacto com os que já partiram. As semelhanças com os festejos do dia de todos os santos que se celebra no dia 1 de Novembro e o dia dos finados no dia seguinte com a ida ao cemitério pelos católicos é evidente e mostra como as culturas, crenças e tradições vão sendo adotadas e influenciadas umas pelas outras. Portanto, a mim não me choca que a dada altura se comece a celebrar o halloween em Portugal e que as crianças sejam convidadas a se disfarçarem no dia 31 de outubro. Eu própria, no ano passado, fiz questão de ter uma abóbora com uma carantonha a iluminar a minha entrada no escuro... No final das contas todas estas tradições acabam, por celebrar, também, os frutos que a terra dá nesta altura do ano. Despedimo-nos de uma estação de abundância que termina, o verão, para iniciar uma outra estação, o outono e que antecede uma outra, o inverno, de alimentos menos diversificados e abundantes (isto se estivermos em consonância com o ciclo das estações e não formos a correr para as grandes superfícies comprar tomates em dezembro e morangos em janeiro). No entanto, fiz questão de contar às minhas filhas como eu própria festejava esta época do ano em criança e mesmo entre nós usámos máscaras e cantámos os bolinhos e bolinhós. 
Mas não posso ficar indiferente quando nas escolas o hallowen é a única tradição que é lembrada e festejada com as crianças, em detrimento das tradições portuguesas. Não posso ficar indiferente quando se pedem às crianças para levarem doces para a escola para trocarem umas com as outras e deixa-se para trás uma oportunidade excelente para não só homenagearmos as nossas próprias tradições ancestrais e antepassados mas também para ensinar e fomentar o consumo dos alimentos da época. Fico triste em pensar que poderia estar a preparar para a minha filha levar amanhã um saco de pano  com frutas da época e em vez disso tenho que enviar um punhado de... doces. Pergunto-me que relação é que estas novas gerações terão com os alimentos, com os ciclos naturais da terra e, no fim da linha, com a sua saúde física e mental, quando são os seus próprios mentores a ignorar o que de melhor poderiam ensinar…
Para já só posso deixar aqui este meu desabafo mas com a certeza que o saco de amanhã não levará apenas doces...

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Encontro de estações à mesa


Se me dissessem há uns anos atrás que por esta altura do ano ainda seria possível comer al fresco no jardim, eu não diria que era impossível, mas certamente improvável. Mas é o que tem acontecido neste outono: enquanto que nos anos anteriores, por esta altura, já se queimavam os primeiros troncos na lareira, este ano continuamos a comer no jardim e a aproveitar o que de bom nos traz o tempo ameno.
Curiosamente, por estes dias, os produtos do verão encontram-se à mesa com as primeiras oferendas do outono e este fim-de-semana houve espaço na brasa para um carapau escalado temperado com sal e ervas aromáticas, um assador de barro com castanhas e as últimas massarocas de milho doce que ainda encontrei no mercado biológico. À mesa, estas iguarias encontraram-se ainda com uma abóbora hokaido assada com alecrim e batatas à murro. 
 

Admito: este outono ando viciada na abóbora hokaido. Conheci-a recentemente no mercado e na mercearia biológica e estou fascinada. Utilizo em sopas, estufados ou, como neste caso, simplesmente assada. Para além de ser muito saborosa e cremosa, é muito prática de cozinhar porque a casca, que inicialmente parece dura quando a cortamos, após a cozedura fica macia como a polpa. Desde que seja biológica (que é sempre o caso) só preciso de limpar as sementes e cortar no formato que pretendo sem necessidade de a descascar.
De resto, foi um verdadeiro repasto: haverá coisa melhor do que boa comida cozinhada de forma simples e saboreada ao ar livre?

Para já não sabemos quantos dias de frio e "escuridão" nos esperam, por isso mais vale aproveitar esta benesse da natureza enquanto mordemos os últimos grãos de milho do ano.


domingo, 19 de outubro de 2014

No bosque e na aldeia


A rotina trabalho-casa, casa-trabalho pode ser tramada. Por muito que gostemos do que fazemos, se não tivermos cuidado enredamo-nos num ciclo vicioso que mais cedo ou mais tarde nos limita os horizontes. É preciso ter força de vontade para nos fins-de-semana não cairmos na tentação de simplesmente nos estendermos no sofá e deixar o tempo passar. 
Quando apercebi-me que este fim-de-semana o tempo estaria inesperadamente bom para a época do ano, tratei logo de planear um passeio para explorarmos outras paragens e respirarmos novas realidades. Já tivemos a oportunidade de conhecer algumas aldeias serranas da Lousã, como foi o caso de Gondramaz, mas outras há ainda por descobrir e desta vez fomos para os lados do concelho de Góis conhecer a aldeia Aigra Nova.
Mais uma vez optámos pelo piquenique para o almoço e à semelhança do nosso passeio à Serra da Estrela, fiz umas empadas sem glúten, recheadas com cogumelos shiitake, couve roxa e lombarda. Apesar do almoço ter sido muito agradável, à sombra de castanheiros e de outras árvores autóctones, não planeara, ainda, escrever este post e por isso não me preocupei em tirar as fotografias. Podem, no entanto, encontrar a receita da massa das empadas aqui. Quanto ao recheio foi simplesmente saltear cebola, alho, os cogumelos fatiados e as couves cortadas à tiras fininhas. Caril, curcuma, ervas aromáticas e umas gotas de vinagre de cidra para dar um toque especial e não foi preciso mais para fazer umas empadas biológicas, saborosas, sem glúten e um almoço prático para a ocasião.
Quando, depois de comermos, começámos a explorar o espaço que escolhemos para almoçar não resisti em tirar fotografias e a ideia do post foi, de facto, surgindo à medida que encontrava maravilhas escondidas. Infelizmente já não é fácil encontrar floresta no nosso país: os pinheiros, os eucaliptos e a invasora acácia sufocam as espécies que há muito povoaram as nossas florestas como o castanheiro, o sobreiro, o carvalho, ou o azevinho. Quando vou dar um passeio e fazer um pique-nique tento, na medida do possível, embrenhar-me em pequenos bosques que me trazem na mente como este território foi um dia, antes do império das monoculturas do pinheiro e eucalipto. Se ficarmos atentos as duas paisagens, apesar de verdes, nada têm a ver uma com outra. Normalmente temos de sair da estrada principal para encontrarmos estes tesouros cada vez mais raros, mas quando os encontramos vale mesmo a pena: árvores com os seus troncos imponentes e retorcidos, almofadados com uma espessa, mas macia, camada de musgo e líquenes. Várias espécies de cogumelos que brotam discretamente do tapete de folhas de vários tons e feitios que cobrem o solo e riachos escondidos com grutas interessantes por descobrir:

Nestes bosques as árvores têm alma e história, alguns troncos disformes e aparentemente ocos albergam animais, plantas e outros segredos. Sentimo-nos realmente pequenos ao pé delas.
A dada altura apercebemo-nos que as ouriços das castanhas eram muitos e não resistimos em apanhá-las e recolhê-las numa bolsa improvisada feita com a minha saia. Interessante foi ver a cara de espanto das miúdas quando se aperceberam que aquelas bolas cheias de picos continham um dos seus frutos favoritos, guardados e bem protegidos da queda que fazem desde o alto da árvore (confesso que houve alturas que tememos pelas nossas cabeças tal era o número de ouriços que sonoramente caíam aos nossos pés).
Terminado o almoço e a exploração do bosque dirigimo-nos à aldeia serrana Aigra Nova, que atualmente conta com quatro habitantes permanentes. Tivemos sorte: não só visitámos uma típica aldeia serrana, salpicada de casas de xisto, com as suas ruelas pitorescas de pedra mas assistimos, também, a uma recriação da colheita e malha do milho como em tempos se fez nestas (e noutras) paragens:



As crianças (e nós) adorámos: é bom lembrar ( e no caso delas aprender) que não existe apenas um modo de vida, que existem outras alternativas. É importante lembrar e ensinar aos mais novos que a vida não é só, nem pode ser, o reboliço da cidade, as grandes superfícies (que pessoalmente já não suporto e raramente frequento) e as rotinas da semana que muitas vezes nos impedem de pensar em algo mais e ver outras formas de vida. Elas estão aí, existem e são reais: é só estarmos atentos e ter a coragem de agarrá-las...