Quando eu era pequena, por esta altura do ano, as
crianças eram instruídas a festejarem o pão-por-deus: levávamos um saco de pano
para a escola com frutos da época para partilharmos uns com os outros.
Lembro-me que adorava olhar para o meu saco e ver maçãs, nozes, castanhas, que depois poderia partilhar com os meus amigos. Agora estou numa outra região de Portugal e com o
tempo aprendi que por esta altura a tradição era (reparem no verbo) as crianças
festejarem os bolinhos-bolinhós: as crianças, com a cara tapada com uma máscara
de cartão assustadora, batiam à porta das pessoas pedindo que lhe oferecessem
alguma coisa (pelo que sei, seriam doces caseiros), enquanto cantavam a
seguinte canção:
Bolinhos e bolinhós
Para mim e para vós,
Para dar aos finados,
Que estão mortos e enterrados...
(…)
Se analisarmos com atenção é possível encontrar
semelhanças com estas tradições portuguesas e a conhecida festa americana, o halloween,
que por sua vez (como a maioria das tradições americanas), provém de uma outra
tradição, o festival pagão celta Samaihn, no qual se acredita que neste dia a
fronteira entre os dois mundos está aberta e é possível ter contacto com os que
já partiram. As semelhanças com os festejos do dia de todos os santos que se
celebra no dia 1 de Novembro e o dia dos finados no dia seguinte com a ida ao
cemitério pelos católicos é evidente e mostra como as culturas, crenças e
tradições vão sendo adotadas e influenciadas umas pelas outras. Portanto, a mim
não me choca que a dada altura se comece a celebrar o halloween em Portugal e
que as crianças sejam convidadas a se disfarçarem no dia 31 de outubro. Eu
própria, no ano passado, fiz questão de ter uma abóbora com uma carantonha a
iluminar a minha entrada no escuro... No final das contas todas estas
tradições acabam, por celebrar, também, os frutos que a terra dá nesta altura do
ano. Despedimo-nos de uma estação de abundância que termina, o verão, para iniciar
uma outra estação, o outono e que antecede uma outra, o inverno, de alimentos menos
diversificados e abundantes (isto se estivermos em consonância com o ciclo das
estações e não formos a correr para as grandes superfícies comprar tomates
em dezembro e morangos em janeiro). No entanto, fiz
questão de contar às minhas filhas como eu própria festejava esta época do ano em criança e
mesmo entre nós usámos máscaras e cantámos os bolinhos e bolinhós.
Mas não posso
ficar indiferente quando nas escolas o hallowen é a única tradição que é
lembrada e festejada com as crianças, em detrimento das tradições portuguesas.
Não posso ficar indiferente quando se pedem às crianças para levarem doces para
a escola para trocarem umas com as outras e deixa-se para trás uma oportunidade
excelente para não só homenagearmos as nossas próprias tradições ancestrais e
antepassados mas também para ensinar e fomentar o consumo dos alimentos da
época. Fico triste em pensar que poderia estar a preparar para a minha filha
levar amanhã um saco de pano com frutas da época e em vez disso tenho que
enviar um punhado de... doces. Pergunto-me que relação é que estas novas
gerações terão com os alimentos, com os ciclos naturais da terra e, no fim da
linha, com a sua saúde física e mental, quando são os seus próprios mentores a
ignorar o que de melhor poderiam ensinar…
Para já só posso deixar aqui este meu desabafo mas
com a certeza que o saco de amanhã não levará apenas doces...